O presidente Jair Bolsonaro é apontado como participante ativo em um esquema de entrega de salários de assessores, conhecido como “rachadinha”, na época em que exerceu os mandatos consecutivos de deputado federal — entre 1991 e 2018. A ex-cunhada do político, a fisiculturista Andrea Siqueira Valle, relata como funcionava o sistema ilegal em áudios divulgados pela colunista Juliana Dal Piva, do portal Uol, nesta segunda-feira (5).
Na gravação, ela afirma que o gestor federal demitiu o irmão dela, o produtor de eventos André Siqueira Valle, porque ele se recusou a devolver parte da remuneração como assessor. A quantia equivalia a quase 90% do salário.
“O André deu muito problema porque ele nunca devolveu o dinheiro certo que tinha que ser devolvido, entendeu? Tinha que devolver R$ 6.000, ele devolvia R$ 2.000, R$ 3.000. Foi um tempão assim até que o Jair pegou e falou: ‘Chega. Pode tirar ele porque ele nunca me devolve o dinheiro certo'” – ANDREA SIQUEIRA VALLE, ex-cunhada de Jair Bolsonaro
André Valle trabalhou como assessor de Jair Bolsonaro entre 2006 e 2007 e foi exonerado do cargo, segundo o relato da irmã, por não entregar a quantia correta do salário ao presidente, que, na época, atuava como deputado federal pelo Rio de Janeiro.
O ex-assessor e a fisiculturista são irmãos de Ana Cristina Siqueira Valle, segunda mulher do gestor do Executivo federal.
Rachadinha é o nome popular para a prática de crime de peculato, que configura no mau uso do dinheiro público.
O advogado de Jair Bolsonaro, Frederick Wassef, ao Uol, negou ilegalidades e afirmou que já existe uma antecipação da campanha de 2022. Ele disse que os fatos narrados por Andrea “são narrativas de fatos inverídicos, inexistentes, jamais existiu qualquer esquema de rachadinha no gabinete do deputado Jair Bolsonaro ou de qualquer de seus filhos”.
Wassef ainda afirmou que se trata de uma “gravação clandestina à qual não tenho acesso, não conheço o conteúdo e não foi feita perícia”.
Legenda: Andrea Valle atuou como assessora da família Bolsonaro por 20 anos |
As declarações presentes nos áudios obtidos pelo portal foram presenciadas entre 2018 e 2019 por, pelo menos, duas pessoas ouvidas pela colunista. Uma das testemunhas, que presenciou o relato de Andrea, gravou a confissão e entregou ao portal de notícias sob a condição de não ter a identidade revelada. E, segundo a publicação, a autenticidade das gravações foram confirmadas.
A defesa de Ana Cristina Valle e sua família, representada por Magnum Cardoso, disse em nota ao portal de notícias que os clientes não iriam se pronunciar sobre o caso.
Andrea Siqueira foi procurada sobre o assunto pela reportagem do Uol, mas não respondeu.
ELEIÇÕES DE 2018
As declarações de Andrea sobre a suposta existência de um esquema de rachadinhas no gabinete de Bolsonaro aconteceram mais de uma vez entre 2018 e 2019. Em um dos episódios ela confessou o crime durante a festa de aniversário do próprio André, que aconteceu na véspera do primeiro turno das eleições 2018, em 6 de outubro.
Na ocasião, a fisiculturista estava preocupada com o futuro incerto, por que recebia uma mesada como funcionária do gabinete de Flávio Bolsonaro e não sabia o que aconteceria após as eleições.
No áudio, Andrea relata que tentou conversar sobre a situação com a irmã, Ana Cristina, e com o tio, identificado como o coronel do Exército Guilherme dos Santos Hudson, ex-colega de Bolsonaro na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman).
“Porque assim, procurei a Cristina [ex-mulher de Bolsonaro], o tio [coronel Hudson], liguei para o gabinete do Flávio para saber o que tinha que fazer, fiquei com medo de complicar as coisas para eles, ainda pensei neles. […] Na hora que estava aí fornecendo também e ele estava me ajudando porque eu ficava com mil e pouco e ele ficava com sete mil reais, então assim, certo ou errado agora já foi, não tem jeito de voltar atrás” – ANDREA SIQUEIRA VALLE, ex-cunhada de Jair Bolsonaro
FILHOS
Antes de ser assessor de Jair Bolsonaro, entre 2006 e 2007, André Valle constou no quadro de funcionários do gabinete do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ). O produtor de eventos atuou no cargo de assessor em dois períodos: o primeiro entre agosto de 2001 e fevereiro de 2005; o segundo em fevereiro de 2006 até novembro do mesmo ano.
Já a fisiculturista atuou como assessora da família Bolsonaro por 20 anos. Apesar de ser lotada como funcionária, ela frequentava academias três vezes por dia e era conhecida por fazer bicos como faxineira, segundo o Uol.
Andrea também trabalhou para os filhos de Jair. Em novembro de 2006, ela foi nomeada como assessora de Carlos, e permaneceu na função até setembro de 2008. Logo em seguida, foi lotada no quadro de funcionários do gabinete de Flávio Bolsonaro, onde permaneceu até agosto de 2018. No último ano em que esteve nomeada, o salário bruto da Andrea era de R$ 7.326,44, fora os benefícios recebidos.
INVESTIGAÇÕES
A fisiculturista é um dos alvos do inquérito no caso do senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ). A pedido do Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ), Andrea teve os sigilos bancário e fiscal quebrados.
Conforme o órgão, ela recebeu líquido entre 2008 e 2018, período de nomeação na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), um total de R$ 674,9 mil. Desse total, ela sacou no período 98%, o que equivale a R$ 663,6 mil.
No fim do ano passado, o MP-RJ denunciou Flávio e Queiroz para o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) por peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
Com informações do Ponto Poder – Diário do Nordeste