O número de candidaturas femininas lançadas no Ceará, em eleições gerais, é o maior desde 1998 – primeiro pleito em que começou a valer a Lei das Eleições. Ao todo, 339 (34%) mulheres irão disputar um cargo eletivo no Estado em 2022.
Apesar do avanço, até hoje as postulações de mulheres continuam na rasteira da margem de 30% do total de candidatos apresentados para as eleições proporcionais. O percentual é o mínimo determinado pela Lei das Eleições, desde 2009, de forma obrigatória. Os homens, por sua vez, representam neste ano 66% (652) das candidaturas apresentadas pelas agremiações.
Mesmo cumprindo a cota de gênero, a quantidade ainda está longe de ser paritária – ainda que, pleito após pleito, ocorram avanços na legislação para incentivar a participação feminina.
Os dados são do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Para a análise, foram considerados apenas os dados das últimas eleições gerais, que têm candidaturas para a Assembleia, Câmara dos Deputados, Governo e Senado.
HISTÓRICO
No Ceará, por exemplo, o número de postulações de mulheres de 1998 até 2022, em eleições gerais, saiu de 49 para 399 – um aumento de 591%.
No entanto, por mais de 10 anos, a redação da legislação sobre cota de gênero deixava brechas para interpretações dúbias, tendo em vista que não estava claro a reserva das vagas nas chapas proporcionais como uma imposição. É o que explica a professora de Direito Eleitoral da Universidade Federal do Ceará (UFC), Raquel Machado.
“Depois que a jurisprudência reconheceu que não era uma recomendação, mas uma ordem, muitos partidos continuaram burlando a norma apresentando candidaturas fictícias. Durante muito tempo, essa atuação dos partidos não tinha nenhuma sanção, era constrangedor quando descobriam, mas praticavam. Até que, julgando uma ação, que é de origem do Piauí, o TSE reconheceu que o partido que apresenta candidaturas laranjas pode perder todos os mandatos dos eleitos na chapa. Desde então, os partidos ficaram mais atentos” – RAQUEL MACHADO, Professora de Direito Eleitoral da UFC
Tamanho eram as brechas na Lei que o descumprimento da cota pelas legendas era escancarado, como mostram os dados do TSE. De 1998 a 2006, a proporção de candidaturas femininas em relação às masculinas variaram entre 10% e 16%, fechando em 14% do total de postulações apresentadas em 2006.
Foi apenas em 2009, com a edição da lei, que o preenchimento das chapas proporcionais passou a ser obrigatório para as coligações, como esclarece Machado. De lá para cá, o percentual de mulheres apresentadas aos pleitos aumentou no Ceará, mas com pouca variação dentro da casa dos 30%.
DISTRIBUIÇÃO DE RECURSOS
Em 2017, uma nova alteração na legislação eleitoral trouxe ainda mais progressos com a aplicação da cota por partido, e não mais por coligações proporcionais. Além disso, também foi incluída a destinação obrigatória de, pelo menos, 30% dos recursos do Fundo Eleitoral para as postulações femininas.
Em 2021, a edição de outra emenda constitucional acrescentou a destinação de, no mínimo, 30% do Fundo Partidário para as postulações de cada gênero. Além disso, para esta eleição, as legendas também precisam destinar 30% do seu tempo de propaganda gratuita no rádio e TV para as candidaturas femininas.
Outra atualização na lei, essa mais recente, estabelece que, caso sejam eleitas, as mulheres terão peso dobrado para a divisão da verba do Fundo Eleitoral e do Fundo Partidário – quando os valores são repartidos de acordo com a representatividade das legendas no Congresso Nacional. Ou seja, quanto mais mulheres eleitas maior será a fatia das verbas para a agremiação da parlamentar.
Apesar dos incentivos e de comporem a maior parte do eleitorado brasileiro (53%), a participação da mulher na política ainda é muito desigual. Para se ter uma ideia, dos 513 assentos da Câmara dos Deputados, atualmente apenas 76 (14,8%) são ocupados por mulheres. Na bancada cearense, apenas uma mulher foi eleita em 2018 para atual legislatura: Luizianne Lins (PT).
CANDIDATURAS COMPETITIVAS
Para Monalisa Torres, socióloga, cientista política e professora da Universidade Estadual do Ceará (Uece), as últimas atualizações na legislação eleitoral deve incentivar os partidos a registrarem candidaturas competitivas de mulheres, pensando não somente no preenchimento da cota. Com isso, deve haver mais estímulos e investimentos para engajar as brasileiras na política, conforme projeta.
“Essa nova lei contabiliza em dobro as cadeiras ocupadas por mulheres para o Fundo Eleitoral e Partidário. Então, eles vão acabar se sentindo mais estimulados para pegar as mulheres competitivas e lançarem realmente para as proporcionais, e não para disputar cargos majoritários. Dificilmente, eles colocam as mulheres como a cabeça da chapa, normalmente elas são a vice” – MONALISA TORRES
Cientista Política e Professora da Uece
Transformar candidaturas femininas em competitivas, todavia, ainda é um desafio, conforme apontam as professoras. Isso se deve devido ao baixo investimento dos partidos nos quadros femininos e por conta de desigualdades estruturais historicamente impostas às mulheres que dificultam um maior engajamento.
Para elas, uma solução seria exigir uma divisão paritária entre os gêneros nas chapas lançadas pelos partidos.
“É muito difícil que as mulheres cheguem e já tenham um espaço reconhecido, tenham facilidade, porque além do problema histórico de terem sido afastadas desse espaço, que é ocupado por homens que querem continuar no poder, as mulheres acumulam muitas funções, o que torna a dedicação à política muito difícil. Ela vai ser política e continua com todos os seus afazeres domésticos e ainda enfrenta a violência política de gênero”, ressalta Raquel Machado.
CABEÇAS DE CHAPA
No Ceará, inclusive, de 1998 até 2022, apenas quatro mulheres foram lançadas para encabeçar as chapas nas disputas pelo Palácio da Abolição.
Além disso, nos cargos de direção dos partidos, elas ainda pouco têm espaço nas deliberações, como aponta Monalisa Torres.
Para a professora, uma provável candidatura de Izolda Cela (sem partido) à reeleição seria um fator novo do ponto de vista histórico nas disputas ao Executivo estadual. A governadora teria forças partidárias para ser no mínimo competitiva.
“A gente teria agora uma candidatura realmente competitiva, mas não tivemos. A Izolda tinha espaço para crescimento, já aparecia com um percentual (de intenção de votos) bom para um nome que estava começando a ser ventilado, tem a máquina na mão e a menor rejeição”, finaliza Torres.
Neste ano, apesar do maior apelo pela inclusão da mulher na política, há apenas uma candidatura femina como vice ao Governo do Estado e duas ao Senado Federal.