• 20 de May de 2024

Para dirigir um veículo, é preciso ser habilitado. Porém, essa exigência legal nem sempre é respeitada no Ceará, e em algumas ocasiões, é possível constatar que até mesmo crianças e adolescentes assumem a direção de motocicletas e carros.

O alerta é do Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE). Em junho e agosto, recomendações foram expedidas aos municípios de Madalena e Independência para impedir que jovens abaixo de 18 anos dirijam veículos automotores.

A reportagem consultou órgãos de trânsito que atuam no Estado para verificar se há multas de trânsito expedidas com relação a menores de idade. A Polícia Rodoviária Federal no Ceará (PRF-CE) informou que “dentro das nossas estatísticas, não existem parâmetros para o levantamento de infrações cometidas por condutores menores de idade”.

O Departamento Estadual de Trânsito (Detran-CE), que monitora as rodovias estaduais, também não deu detalhamento por idade, mas informou quantitativos sobre multas que podem ter ligação com a prática.

Nos últimos dois anos e meio, entre 2019 e o primeiro semestre de 2021, foram registradas 57.391 infrações aos artigos 162, 163 e 164 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), em todo o Ceará.

A primeira, com 32.264 registros, se refere a dirigir veículo sem possuir Carteira Nacional de Habilitação (CNH) ou Permissão para Dirigir (PPD).

No segundo caso, o proprietário do veículo está junto ao condutor não habilitado, no momento da abordagem. Foram 381 infrações do tipo no período analisado. Segundo o Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito, as hipóteses para a lavratura incluem  o “proprietário ensinando o condutor a dirigir” e o “proprietário como passageiro do veículo”

Já o terceiro, que responde por 24.746 registros, caracteriza-se pela ausência do proprietário durante a abordagem. Conforme o Manual, um dos casos é quando o dono do veículo permite a posse e a direção por um condutor inabilitado.

As duas últimas situações são de responsabilidade do proprietário do veículo, sendo consideradas infrações gravíssimas, sujeitas a sete pontos na carteira, multa multiplicada por três (chegando a R$880,41) e retenção do veículo.

Os casos também podem configurar ação penal com base no artigo 310 do CTB, por “permitir, confiar ou entregar a direção de veículo automotor a pessoa não habilitada, com habilitação cassada ou com o direito de dirigir suspenso, ou, ainda, a quem, por seu estado de saúde, física ou mental, ou por embriaguez, não esteja em condições de conduzi-lo com segurança”. A pena é detenção de seis meses a um ano, ou multa.

MOTIVAÇÕES VARIADAS

O promotor de Justiça Alan Moitinho, autor das recomendações, descreve que no Sertão Central cearense é “costumeiro” visualizar menores conduzindo veículos, principalmente motocicletas, ainda que a CNH seja reservada a maiores alfabetizados. 

Percebemos que, na maioria dos casos, os menores pegam a pedido dos pais, para dar uma volta; outras vezes, é por conta própria, para participar de rachas, se mostrar na comunidade. Infelizmente, tem ocorrido também a captação de menores pelo crime organizado, para funcionarem como aviões do tráfico de drogas. ALAN MOITINHO – Promotor de Justiça

Moitinho reforça que os pais são “totalmente responsáveis” pela conduta dos filhos, sendo inclusive notificados sobre os trâmites legais. Só em Independência, o promotor já registra mais de 10 procedimentos relacionados a infrações cometidas por adolescentes.

“Normalmente, na proposta de transação penal, eu tenho oferecido proposta de pagamento em dinheiro, de um a dois salários mínimos, para que os pais tenham ciência da responsabilidade e saibam que vai doer no bolso”, destaca.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) também prevê infração administrativa se os pais entregam ou confiam os veículos aos filhos, descumprindo os deveres do poder familiar, podendo levar a uma multa de três a 20 salários mínimos.

Alan Moitinho explica que os órgãos de trânsito não têm como autuar menores porque o CTB só é aplicável aos maiores. Porém, se o menor entre 12 e 17 anos provoca um acidente de trânsito que leva a lesão ou homicídio, vai responder por um ato infracional análogo.

“Com essas fiscalizações, além de proteger os adolescentes e a coletividade, protegemos a saúde. Evitamos acidentes e que possíveis vítimas sejam encaminhadas a hospitais, muitas vezes com lesões de gravidade média ou alta, que exigem transporte de ambulância. É um dinheiro reduzido dos cofres públicos”, ressalta.

Segundo a psicóloga especialista em trânsito e professora universitária Mércia Capistrano Oliveira (CRP11/1489), a lei brasileira se baseia em estudos que mostram que, em adolescentes, ainda não há maturidade emocional, tempo de resposta e reação suficientes para a direção prática.

Além disso, tem a responsabilidade legal que eu preciso assumir quando estou no comando de um veículo, porque estou conduzindo um equipamento que tem o poder de causar acidentes e ferir pessoas.

Moradora de Quixadá, a especialista confirma que, em cidades pequenas, a entrega de veículos a menores é justificada por frases como “vou só ali e volto”, “meu filho, comprar uma coisinha pra mim”. “Os pais acham que, porque o filho está ajudando, está tudo bem. Mas não, não está. Mesmo dentro da cidade, há acidentes graves”, afirma.

A psicóloga recomenda que a educação para o trânsito seja tratada dentro de casa, desde que os filhos são crianças, mantendo a firmeza de negar os pedidos de direção feitos antes da maioridade.

“A meu ver, é necessário nunca autorizar. Se eu deixar uma vez porque me é conveniente, não vou ter mais autoridade para não deixar outra vez. É nunca permitir mesmo”, defende.

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